Golpe no Trabalhismo


Ivonei Lorenzi & Nei Alexandre Rech*

Nos anos 60 o Brasil passava por uma época de ouro no tocante ao debate
político, com a defesa da soberania nacional, ampliação da participação política da
classe operária, defesa das nossas riquezas e um plano de governo que colocava o Brasil
como protagonista de sua própria história, sem ficar dependente de Moscou e nem de
Washington. O nosso projeto era o PEI – Política Exterior Independente.
Foi uma época em que a ideologia trabalhista estava em alta, devido a memória
popular da era Vargas, a excelente administração pública que o líder carismático Leonel
Brizola aplicou no estado do Rio Grande do Sul como governador, e com ascensão
política de João Goulart, com suas ideias em defesa do setor produtivo nacional.
Essa ideologia, surgida na Inglaterra no começo do século XX, com o foco na
defesa dos interesses da classe operária com o princípio de harmonia entre o capital e o
trabalho, no Brasil teve como influência as ideias de Júlio de Castilhos, aplicadas nos
governos Vargas, e foi traduzida e adaptada por Alberto Pasqualini como um capital
mais humanizado, projetando-se mais adiante no trabalho do antropólogo Darcy
Ribeiro. O trabalhismo brasileiro é também conhecido como o socialismo moreno.
No Brasil, o ideal trabalhista até 1964 foi representado partidariamente pelo
antigo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, cujo plano programático se antagoniza ao
atual homônimo). Essas ideias de independência e soberania irritavam os interesses do
“Tio Sam” e de nossas elites subalternas aos interesses dos EUA, que logo viram nas
políticas trabalhistas uma ameaça a seus interesses de manter o Brasil como uma eterna
colônia para manter suas regalias.

O mundo vivenciava a Guerra Fria, com socialistas e capitalistas tentando
conquistar zonas de influência políticas e culturais. Os EUA já viviam com o
“problema” de alguns quilômetros de seu território a experiência socialista da ilha de
Cuba, e por isso havia um certo receio de que um pais como o Brasil, com inúmeros
recursos naturais e geograficamente estratégico caísse na mão dos soviéticos. Logo as
forças brasileiras antinacionalistas trataram de amedrontar a população brasileira, em
especial a classe média urbana com o “Fantasma do Comunismo”, com discursos de que
o estado iria expropriar seus bens e suas propriedades, os horrores das gulags seriam
“importados”, e com discursos e clichês como “comunistas são comedores de
criancinhas”.

Contudo o governo Jango tinha forte apoio das classes mais populares urbanas e
do campo, setores progressistas das universidades, e militares de baixa patente, tudo
isso devido aos avanços sociais e trabalhistas conquistados desde a ascensão de Vargas,
também se valendo de uma forte propaganda política de base. Além disso, Jango
contava com crescente aprovação de seu governo dados seus acertos na regulação da
economia desde o movimento pela legalidade.

Neste cenário o único modo de derrubar Jango era através de um golpe militar,
concretizado em 01 de abril de 1964. O golpe, vinha sendo adiado desde o suicídio de
Getúlio Vargas em 54, e com a campanha de legalidade em 1961, que garantiu a posse
de Jango. O golpe instalou no Brasil um governo militar que durou 21 anos, marcado
por censura, violações dos direitos humanos, negação da participação política de setores
populares, e o exílio de forças políticas progressistas, além de intelectuais como Darcy
Ribeiro. Esse mesmo golpe ceifou as chances de serem inauguradas as reformas de base
propostas pelo governo João Goulart.

Em 1979 com a anistia voltaram os exilados do regime para o Brasil. Brizola
tentou retomar o PTB, mas acabou perdendo a sigla para a sobrinha neta de Getúlio
Vargas, Ivete Vargas, que contava com o apadrinhamento de Golbery do Couto e Silva.
Isto obrigou Leonel Brizola a fundar um novo partido, o PDT, partido que
herdaria o legado getulista e o incorporaria ideias socialistas preconizadas pelo
trabalhismo, trazendo de volta à pauta o já citado socialismo moreno. Arquivos secretos
da CIA, revelados entre os anos de 2016 e 2017, colocam Leonel Brizola como inimigo
da ditadura. Brizola já havia mostrado sua força com a encampação das empresas norteamericanas
Bond and Share e ITT, empresas de luz e telefonia, e também com a
campanha da legalidade.

Isso apenas reafirma o medo da ascensão de Brizola, que desenhava sua
candidatura à presidência do Brasil. Com Brizola, o trabalhismo conquistava o governo
do estado do Rio de Janeiro, mesmo com a forte oposição das Organizações Globo e
tentativa de fraudes na pesquisa eleitoral (caso Proconsult). Anos mais tarde Brizola
mais uma vez seria eleito governador do Rio de Janeiro. A forte oposição da Rede
Globo continuaria, porém Leonel Brizola demostrava sua força conquistando um
histórico direito de resposta na emissora, lida em horário nobre pelo ancora do Jornal
Nacional, Cid Moreira. Mas Leonel Brizola não conseguiu o seu grande objetivo que
era chegar à presidência do Brasil.
Nos anos 80 com a luta pela retomada da democracia surgia uma nova força
política do campo progressista, o Partido dos Trabalhadores, que acabaria por tomar o
protagonismo da esquerda brasileira apoiado por um grupo de intelectuais paulistas.
Pautavam-se pelo discurso de desconstrução do trabalhismo, apregoando a ideia de que
Getúlio Vargas era um líder populista que flertava com o fascismo, e que a CLT fora
inspirada na “Carta di Lavoro” de Benito Mussolini. O sindicalista militante do PT, Luís Inácio Lula da Silva, e o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, destacavam-se no cenário politico do período de luta pelo fim do regime militar. Lula, que organizou graves gerais, tornou-se um mártir dos
trabalhadores, ocupando espaço de protagonista da luta social. Fernando Henrique era o
príncipe dos sociólogos, sendo uma liderança e uma referência na academia.

Com o fim do regime militar em 1989 o brasileiro poderia finalmente votar
novamente para Presidente da República. Brizola tinha grandes chances de ser eleito
presidente, mas a esquerda se dividiu entre Lula e Brizola, concedendo larga vantagem
ao jovem politico Fernando Collor de Mello que fora eleito fazendo uma campanha
baseada na “novidade” e na propaganda pessoal. O trabalhismo perdia a sua grande
chance de eleger Leonel Brizola e assim poder tentar mudar o Brasil com um projeto
pautado pela educação e pela soberania nacional.
Em 1992 o presidente Fernando Collor sofreu um processo de impeachment que
foi defendido por muitos estudiosos de politica apenas pelo fato de não possuir força no
congresso. Assume o vice Itamar Franco que aparentava pouca envergadura para o
cargo. Leonel Brizola com sua apurada visão política não apoiou o movimento, pois
sabia que não iria mudar a estrutura politico e econômica do Brasil.
Fernando Henrique Cardoso é eleito em 1994 com o discurso de “Encerramento
à Era Vargas”, contrariando sua própria produção acadêmica que o projetara no cenário
político, trazendo como novidade o Plano Real.
Em 1998 é reeleito vencendo novamente Lula que por vontade própria convidara
Brizola para compor a chapa.
Em 2002 Lula é eleito presidente Brasil, na sua quarta tentativa, contando como
vice um nome do setor empresarial produtivo nacional, José Alencar. O governo foi
marcado por avanços nas áreas sociais e na inclusão de setores mais populares na
universidade, porém mantendo o mesmo modelo econômico, tendo representantes do
setor financeiro no Ministério da Fazenda como Henrique Meirelles.
Em 2010 a ex-guerrilheira Dilma Roussef é eleita presidente do Brasil, sendo a
primeira mulher a conquistar o posto. Dilma é formada nas bases do trabalhismo, sendo
ex-integrante do PDT , tendo inclusive ocupado cargo em Secretaria do Estado durante
o governo Collares (1990 a 1994).

O governo Dilma foi marcado pela manutenção das políticas sociais e do avanço
no debate de questões de gênero. Com o caso do mensalão, um suposto esquema de
corrupção no qual os votos eram comprados pelo governo, ostensivamente divulgado
pela mídia brasileira, a população começava a perder sua simpatia pelo PT, embora
houvesse também forte envolvimento dos partidos de oposição.
No governo Dilma a coalizão com partidos de várias ideologias e posições
diferentes na situação sofre intenso desgaste. Esse desgaste, que teve forte impacto na
política partidária, somado a inúmeros casos de corrupção, eram diariamente
bombardeados pelos meios de comunicação, que se apresentavam como legítimos
herdeiros do espirito da UDN. Estes setores, associados ao PSDB e demais segmentos ligados à direita promovem manifestações em 2012, que se fortaleceram em 2013, empunhando
bandeiras contra a corrupção, que quase levaram a derrota do governo Dilma. Ainda
assim Dilma é reeleita em 2014 sem apoio de antigos aliados como PSB, tendo que
negociar com um congresso formado por setores atrasados da sociedade, como ruralistas
e a bancada evangélica.

Em 2016 Dilma sofre um impeachment com fortes características de um golpe
parlamentar, orquestrado pelo seu ex-aliado e Vice, Michel Temer. Esse golpe, assim
como o de 1964, também pode ser considerado um golpe contra os ideias trabalhistas,
pois foi organizado pelos mesmos setores que não queriam a harmonia entre o capital e
o trabalho, e nem a ampliação da participação popular na vida política.
Esse golpe, mais que a figura da presidente eleita, atacava os direitos sociais e as
medidas progressistas adotadas nos governos petistas. Embora tivessem cunho socialdemocrata
e trabalhista, as ações políticas não tiveram um avanço maior ou inclinação
ao socialismo, desmistificando a ideia de que os governos petistas iriam transformar o
Brasil em uma grande Cuba. No campo ideológico serviram apenas para colocar a
classe média novamente contra as frentes de esquerda, ressuscitando assim o fantasma
do comunismo.

O trabalhismo sempre foi o real adversário das forças conservadoras brasileiras,
e por isso foi historicamente perseguido tendo seus lideres taxados de “comunistas”.
Essa elite conservadora aproveitou-se do desconhecimento e despreparo do povo
brasileiro no tocante ao estudo sobre ideologias e doutrinas políticas para por em prática
suas ações perversas. Essa falta de conhecimento é fruto da nossa colonização e das
forças políticas dominantes que negam a participação popular na vida pública nacional,
limitando o povo apenas ao voto que resulta no clientelismo.
O golpe de 64 tinha como objetivo enterrar o trabalhismo, mas este sobreviveu
ao regime militar, mesmo perdendo muitas de suas características, agora retomadas com
o debate de projeto econômico nacional.
A ditadura militar teve inúmeras medidas tomadas sob a responsabilidade do
General Golbery de Couto e Silva, autor da celebre frase “A esquerda só se une na
cadeia”. Era quem orquestrava os mecanismos políticos do regime que fizeram com
que a esquerda brasileira perdesse seu caráter anticolonialista e nacionalista, atacando
diretamente a doutrina e o ideal trabalhista no Brasil.
Contudo foi sob a égide do trabalhismo que o Brasil avançou com relevantes
conquistas sociais e trabalhistas e na luta pela independência econômica e social. Foram
épocas nas quais se debatia uma política de economia e de relações internacionais
próprias para a nossa nação. Por essa razão o trabalhismo tem sido uma ideologia
perseguida por forças conservadoras, e muitas vezes renegada por forças que se
autoproclamam progressistas e que acreditam deter o monopólio da luta social, forças
estas criadas com o embrião das próprias elites que dominam os meios no país.
O trabalhismo é, indubitavelmente, a mais genuína ideologia no cenário
doutrinário brasileiro e possivelmente a única que pode hoje resgatar diretrizes capazes
de trazer para o prumo o desenvolvimento econômico e social tão almejado pelo povo
brasileiro.

* Ivonei Lorenzi é acadêmico de Historia e membro do MSC Darcy Ribeiro Caxias do Sul. Nei Alexandre Rech é bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Internacional, e licenciado em Letras, presidente do MSC Darcy Ribeiro Caxias do Sul.


Referencias
O projeto de Nação do Governo João Gourlat. Moreira S. Cássio, O Projeto de Nação do Governo João Goulart,Porto Alegre:1.ed. Editora Meridional LTDA, 2014.
O Brasil e a URSS na Guerra Fria. Domingos S. M. Charles, O Brasil e a URSS na Guerra Fria, Porto Alegre:1.ed editora Letra e Vida, 2010.



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