O Golpe na Bolívia: luta de classes (identitária), geopolítica do lítio e imperialismo

Cristiano Castro Araujo*


10 de novembro de 2019, ainda que com ressalvas de setores minoritários da grande mídia, há um consenso de que a renúncia de Evo Morales se tratou de um golpe de Estado. Para compreender as origens dele, precisa-se analisá-lo para além das dinâmicas internas – luta de classes e identitária – e verificar os fatores externos – imperialismo e a geopolítica do lítio. 

Quando Evo ascendeu ao poder em 2006, ele buscava uma nova relação entre o seu país e os recursos, por isso ele promoveu a nacionalização dos hidrocarbonetos – antes nas mãos das transnacionais – para que a riqueza produzida fosse desfrutada por todos os bolivianos  e a reforma agrária – antes nas mãos dos barões do Oriente (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija) – a fim de assegurar a segurança alimentar e a função econômica e social da propriedade. 

O crescimento médio de 5% ao ano em uma década, a estabilidade política e as reformas – ainda que dentro das suas contradições dada a correlação de forças – lograram um ciclo econômico chamado por alguns de “milagre econômico boliviano”.

 O resultado desse êxito foi os 14 anos no poder, o que desagradou as classes proprietárias, que se revoltaram no início do governo e protestaram nas ruas entre 2016 a 2019, no último caso sob a alegação de fraude nas eleições.

Para além da luta de classes, existe também uma questão identitária. No Oriente, o nacionalismo camba, que apesar de colocar negros, brancos, mestiços e os descendentes de indígenas e espanhóis, inclui apenas os que habitam o Oriente boliviano. Nada de ayamaras – povo de Evo Morales - e quéchuas, que, para os cambas – Santa Cruz, Beni e Pando – são os responsáveis pelos subdesenvolvimento da Bolívia. 

Mesmo com um país altamente polarizado, as dinâmicas internas eram insuficientes para impedir uma nova vitória de Evo Morales. Deste modo, o imperialismo utilizou uma das suas organizações regionais – a OEA – como organização legitimadora para a troca de um regime por meio de uma Revolução Colorida, aos moldes da Revolução Rosa (Geórgia), Revolução Laranja (Ucrânia) e Revolução das Tulipas (Quirquistão). 

E por que a troca de regime? 

A Bolívia tem uma das maiores reserva de lítio do mundo, mas não tinha recursos tecnológicos para explorá-lo. Assim, convidou a alemã ACISA – que fornecia baterias a Tesla - para firmar contrato para uma joint-venture com a YLB (Yacimientos de Lítio Bolivianos). 

Curiosamente, uma semana antes do golpe, Evo rompeu o contrato com a empresa alemã. Meses depois, com uma nova eleição em curso, o empresário Samuel Doria Medina, vice de Jeanine Añez, disse que Elon Musk deveria construir uma gigafábrica no Salar de Uyuni. Portanto, assim como em outras revoluções, era necessário a troca de regime para reposicionar a Bolívia para um governo mais simpático ao imperialismo anglo-saxão, a fim de possibilitar a exploração de um recurso fundamental para carros elétricos, garantir um mercado estimado em 71 bilhões em 2025 e a posição geopolítica para fazer pressão nos países vizinhos contra os leilões da tecnologia chinesa 5G.


* Servidor Público municipal na área de Educação, dono do canal Em Nome da Rosa




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