APENAS BOLSA PARA LICENCIATURAS NÃO RESOLVE OS PROBLEMAS: É preciso mudar muito mais na educação.

 * Fábio Melo


Recentemente, o Governo Federal laçou um programa de incentivo para estudantes de licenciatura (chamado Pé de Meia Licenciaturas). No Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, os governos já se mostram inclinados a seguir pelo mesmo caminho. Essas iniciativas têm como objetivo reverter a crescente falta de professores nas redes públicas de educação básica, que nos próximos anos pode se tornar um "apagão" - ou seja, não terá professores para atender as demandas. 

Não me oponho à bolsas de incentivo para alunos de cursos de licenciaturas. Ocorre que, se os governos se preocuparem apenas com isso, esse tal "apagão na educação" vai seguir como uma perspectiva terrível e bem realista. Afinal, um jovem que acabou de se formar em licenciatura e vai para uma sala de aula, onde se depara com os desafios reais da educação básica, provavelmente não vai querer seguir na carreira! E isso já ocorre com frequência.

Começando pelos salários. O piso (que em 2025 é de R$ 4.897,77) quase não é pago em muitos municípios. Os concursos, muitas vezes "quebram" a cara horária, e o valor do salário cai pela metade. Quem trabalha 20 horas, por exemplo, não recebe o valor do piso integral. Acaba que o piso vira o "teto". Nossos nobres representantes políticos, que em épocas de campanha se orgulham de fazer parte do "partido da educação", poderiam muito bem fazer valer a lei do piso, independente da carga horária. Quem trabalha 20 horas ganha o piso, quem trabalha 40 ganha o piso em dobro. Pronto!

Os planos de carreira também não são nada atrativos. Os professores precisam estar em constante formação, muitos fazem pós-graduações, mestrado e doutorado. Mas para progredir na carreira, em muitos casos, demora anos! Além do quê, os valores recebidos por essas especializações, mestrados e doutorados, não são exatamente justos. Acaba que não compensa se esforçar tanto para receber tão pouco; fora que professores que se dedicam a pós-graduações quase nunca conseguem redução em suas cargas horárias para se dedicar aos estudos e pesquisas. 

Outro fator que desencoraja é a própria estrutura das escolas. Turmas lotadas, com cerca de 35, 40 alunos; muitos desses com condições especiais de educação (autistas severos, deficiências cognitivas e até aqueles não diagnosticados). Como agravante, nos dias de calor extremo, muitas escolas nem ventilador possuem, que dirá ar-condicionado para garantir uma sensação térmica agradável. Casos de indisciplina dos alunos, onde, muitas vezes, o professor não recebe apoio nenhum das equipes diretivas e da orientação da escola. Não é raro agressões físicas e verbais, além de ameaças. 

Como tornar viável uma aula nessas condições? 

As soluções para tais problemas são muito simples. Se querem evitar a falta de professores e melhorar índices é preciso mexer nas bases elencadas acima. Começando pelos governos, que poderiam muito bem construir mais escolas, para, desta forma, evitar que as escolas já existentes fiquem superlotadas - bem como as salas de aula. Uma boa aula na educação básica só é possível com no máximo uns 20 alunos em cada sala de aula (é o número padrão em países como a Finlândia). Escola não pode ser encarada como "deposito de criança". 

Quando foi que o governo estadual ou municipal construiu escolas? A população cresceu, prédios e condomínios são construídos constantemente nas cidades, mas escolas... 

É preciso também saber lidar com a nova realidade de alunos especiais. Para isso, as escolas precisam ter equipes qualificadas, o que demanda formação e reuniões pedagógicas. Atualmente, muitas famílias precisam entrar na justiça para garantir um profissional especializado para lidar com seus filhos atípicos. Não deveria ser assim. 

As escolas, tanto estaduais como municipais, deveriam ter mais autonomia para elaborar seus currículos, horários, quadro de disciplinas etc. Talvez uma matriz organizacional comum à nível nacional, com preceitos mínimos que todas escolas deveriam seguir - de resto, caberia a cada escola se organizar da melhor forma; a partir de reuniões pedagógicas com direções, conselho escolar e professores. Perceba como são importantes as reuniões pedagógicas, mas poucas redes oferecem tempo dentro dos calendários para esse tipo de momento.

Como se vê, não é difícil mudar a educação no Brasil. Mas entra governo, saí governo e nenhum deles é capaz de pensar "fora da caixa"; nenhum se propõe a mudar as estruturas. A sociedade mudou, mas a educação parece seguir estagnada no tempo. E quanto mais os governos interferem na educação, pior ela fica. Pelo visto é aí que está o problema, pois a cada ano que passa os "índices" ficam piores. 

Desta forma, não há como não lembrar do mestre Darcy Ribeiro quando ele diz que a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto.


Historiador. Professor de escola pública. Trabalhismo 21 - Canoas.








  


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