Consenso de Washington X Consenso de Pequim

 As relações internacionais entre países acontecem dentro de uma complexa rede geopolítica. Celebrar acordos comerciais, políticos etc. não é tarefa fácil. E é comum governantes escolherem ajudar grandes conglomerados econômicos de seus países do que o povo necessitado. Conforme a jornalista Naomi Klein: “Para atender às exigências de investimentos multinacionais, governos do mundo todo deixaram de atender às necessidades das pessoas que os elegeram. Algumas dessas necessidades não atendidas eram básicas e urgentes – remédios, habitação, terra, água; outras eram menos tangíveis – espaços culturais não-comerciais para comunicar, reunir e compartilhar, seja internet, em ondas de rádio públicas ou nas ruas”.¹

No período conhecido como Guerra Fria, que se estendeu de 1945 (ou 1947) até 1989 (ou 1991), havia dois grandes países que representavam duas ordens políticas e econômicas: de um lado os Estados Unidos representando o capitalismo, de outro a União Soviética, com um modelo de "socialismo real". 

O desmantelamento, crise e consequente fim da União Soviética acabou com a Guerra Fria. E logo alguns analistas ansiosos já definiram que a "Nova Ordem" era o capitalismo neoliberal - cujo modelo, óbvio, são os Estados Unidos, que na época (anos 1980 e início dos 1990) estava numa avançada política conservadora, praticada pelos republicanos Ronald Reagan e George Bush pai, de desmonte do seu de Estado de bem-estar social. Alguns historiadores de forma bastante tosca e cômica chegaram a decretar o "fim da história".

Mas a história não terminou. Ela seguiu e mostrou que a "Nova Ordem" neoliberal estava prestes a mudar. O crescimento econômico da China colocou novos desafios à potência que se pretende hegemônica: os Estados Unidos. 

Para manter o controle sobre boa parte das finanças e dos recursos mundiais, os Estados Unidos criaram, em 1989, o famigerado "Consenso de Washington": um conjunto de regras de verniz neoliberal que se tornou a receita a ser seguida pelos países que quisessem participar da "Nova Ordem" sob o controle dos Estados Unidos. Entre as "receitas" do "Consenso de Washington" estão a privatizações e reformas tributária e fiscal (leia-se tirar recursos públicos de saúde, educação, previdência, assistência social e jogar no capital improdutivo especulativo). No Brasil, os presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) se mostraram bons serviçais dessas políticas impostas por Washington. Lula na presidência não ficou muito atrás, não reverteu nenhuma privatização, nem freou o poder dos bancos. 

Sendo um instrumento de controle econômico, o Consenso de Washington servia perfeitamente aos interesses estadunidenses de unilateralismo; ou seja, os países deveriam celebrar acordos prioritariamente com os Estados Unidos. Ainda assim, muitos blocos econômicos foram formados (como o Mercosul composto incialmente por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

A oportunidade de romper com as imposições unilaterais dos Estados Unidos veio com o crescimento econômico da China. Já no final da década de 1990, este país passou a ser grande parceiro comercial de vários países latino-americanos e africanos, ocupando, em parte, um espaço deixado pela potência União Soviética e até ampliando-o. 

A China tem uma outra posição em relação a "Nova Ordem Mundial", o que veio a ser chamado por alguns analistas como "Consenso de Pequim". Ao contrário do unilateralismo estadunidense, a China preconiza o multilateralismo, ou seja, cada país é livre para se inserir da forma que quiser na ordem econômica capitalista internacional². É uma política muito mais "simpática" para países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, do que aquela disseminada pelos Estados Unidos, que exige obediência absoluta. 

Os governos do PT, é preciso que se registre, firmaram importantes acordos com a China e aproximou o Brasil do bloco chamado "emergentes" (composto por África do Sul, Índia e Rússia, além da própria China). Isso afastou um pouco o espectro do Consenso de Washington; mas os governo petistas (Lula e Dilma) não abandonaram as receitas neoliberais por completo - eis uma de suas muitas contradições.

A recente crise da pandemia de COVID-19 e a vacinação mostra o quanto a pequenez do governo Bolsonaro em se submeter aos Estados Unidos é prejudicial. Bolsonaro e seus rebentos, além de desdenhar da China, são os principais culpados pelas dificuldades de se obter insumos para fabricar as vacinas no Brasil. Os chineses foram xingados, insultados e ridicularizados ao longo do governo Bolsonaro, que agora de forma oportunista e hipócrita volta atrás em suas falas estúpidas pois sem os insumos chineses nosso país vai ficar sem vacina - isso sem comentar a total falta de preparo e estratégia do governo em ter a vacina e distribuí-la. Além de tudo, o ministro das relações exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, é um perfeito imbecil: daqueles que falam em "marxismo cultural", "globalismo" e tantas outras bobagens alucinadas do bolsonarismo. Na prática, a submissão de Bolsonaro nem foi diretamente ao Consenso de Washington (apesar de sua equipe econômica, liderada pelo bizarro Paulo Guedes ser adepta das receitas neoliberais), mas sim diretamente a Donald Trump, que já não ocupa mais o cargo de presidente.

O Brasil precisa se livrar imediatamente de Bolsonaro e do bolsonarismo. Mas isso não significa abraçar o projeto neoliberal do Consenso de Washington, que certamente será levado por João Dória, Luciano Huck, Sérgio Moro e qualquer outro do PSDB, MDB, PDS, PTB, DEM, PSC, Solidariedade entre outros. Basta desses cães que rosnam para o povo e para os direitos sociais e abanam o rabo para os bancos e para os desmontes neoliberais!

O Brasil precisa de um projeto arrojado de justiça social. E isso só será possível dentro do multilateralismo internacional; jamais se poderá desenvolver se houver uma potência estrangeira sufocando economicamente o nosso país.


¹ KLEIN, Naomi. Cercas e Janelas: na linha de frente do debate sobre globalização. Rio de Janeiro: Record, 2003.

² ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 383. 





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