Os liberais amam uma ditadura
Fábio Melo*
Chega a ser uma contradição, mas ao longo da história se percebe como os defensores da "liberdade", do "liberalismo", amam governos autoritários, antidemocráticos e ditatoriais. A história é o critério da verdade. E a história mostra que todos aqueles que se consideram liberais, nos momentos críticos, correm para baixo da asa do autoritarismo e das ditaduras.
Basta analisarmos a ascensão do fascismo na Itália, na década de 1920. Neste país europeu, os liberais, temendo uma "ameaça comunista", ou uma revolução social, abraçaram Mussolini sem pensar duas vezes. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o filósofo liberal Benedetto Croce (1866-1952), que num primeiro momento apoiou o fascismo - quando percebeu o que era realmente o fascismo, já era tarde demais.
Na América Latina, os exemplos são ainda mais evidentes. Em 1964, aqui no Brasil, os grandes arautos do "liberalismo" (como o jornalista Carlos Lacerda, ou o ex-presidente Juscelino Kubitschek) também se bandearam para o lado dos militares e civis golpistas - o resultado foi quem em poucos meses, tanto Lacerda como Kubitschek tiveram seus direitos políticos cassados pelos próprios golpistas autoritários que ajudaram. Em 1973, os liberais chilenos passaram para o lado de Augusto Pinochet, ao invés de defender o governo democrático de Salvador Allende (1908-1973).
Esses exemplos só nos ajudam a identificar a verdadeira natureza autoritária do liberalismo econômico; e mais recentemente do neoliberalismo. Apesar de ser uma aparente contradição, afinal defensores da liberdade não deveriam ser adeptos de um Estado autoritário ou de governantes ditatoriais, a própria história do liberalismo já aponta que desde sempre o liberalismo teve relações promíscuas com o autoritarismo. Pensadores liberais como John Locke e os políticos que atuaram na independência dos Estados Unidos falavam em liberdade ao mesmo tempo que apoiavam a escravidão (Locke, por exemplo, era acionista de uma empresa que fazia o comércio escravista - a Royal African Company; Thomas Jefferson, redator da Declaração de Independência dos Estados Unidos, foi um grande proprietário rural dono de trabalhadores escravizados). Ou seja, tirando a "retórica" de liberdade, o liberalismo é mais próximo a ditaduras do que outras ideias políticas e econômicas.
Essa realidade nos faz pensar: o liberalismo só é possível num contexto ditatorial!
O Chile de Pinochet foi o ensaio geral do neoliberalismo justamente porque a oposição foi morta ou obrigada ao exílio. No Brasil, os ditadores militares no poder colocaram em cargos estratégicos vários economistas liberais civis (como Roberto Campos e Delfim Netto).
Num cenário de ampla democracia, de amplas garantias sociais, com direitos consolidados, o liberalismo não é possível.
O atual contexto de pandemia global, escancarou os limites e as contradições do neoliberalismo: os países que adotaram as práticas neoliberais (como o Brasil) estão com índices de mortes elevadíssimas, sistemas de saúde comprometidos e crise econômica sem precedentes. Alguns países que adotaram um "meio termo" entre neoliberalismo e políticas sociais (como Estados Unidos e Inglaterra) até que estão conseguindo lidar melhor com a pandemia.
No Brasil, a culpa desse cenário desolador é dos liberais, que apoiaram Bolsonaro desde o início (lembram do "Bolsodória"?; ou do Partido NOVO que vota com o governo Bolsonaro que desde sempre flerta com o autoritarismo¹).
Sabendo de todas essas coisas, chega a ser cômico ver alguns influenciadores youtubers ditos "liberais" falar mal de "regimes" que eles consideram "autoritários", como a antiga União Soviética, Cuba, Coreia do Norte ou China. Esses "liberais" deveriam, antes de mais nada, estudar o próprio liberalismo que defendem.
Referências:
LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. Aparecida: Ideias & Letras, 2006.
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
* Historiador. Núcleo Trabalhismo 21 - Porto Alegre.
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