O ESVAZIAMENTO DO DEBATE POLÍTICO
Fábio Melo*
Após as eleições municipais, é comum as análises sobre acertos e erros, principalmente em grupos de esquerda.
O fracasso das esquerdas não tem apenas um fator. Existem múltiplos determinantes. Entre eles está a falta de "ocupação de espaço" na vida real. Por exemplo, onde estão as associações de bairros e lideranças comunitárias ligadas a projetos de esquerda? Se existem, são poucas. Onde estão os conselheiros tutelares ligados à esquerda? Também são minorias. Enquanto a direita e extrema-direita construíram bases sociais que vão de igrejas neopentecostais até clube de motociclistas, grupos de esquerda parecem que ainda focam seus esforços em entidades como centros acadêmicos e sindicatos - que sim, são importantes, porém já não tem mais a mesma força de atuação que tinham há 30 anos atrás. Os centros acadêmicos, por exemplo, são muito restritos aos muros das faculdades e universidades, enquanto que os sindicatos estão completamente enfraquecidos, principalmente depois da "deforma trabalhista" de 2017.
Para além dessa falta de presença em redes de organização social comunitária, outro problema da esquerda é sua linguagem. Como atrair pessoas para projetos de esquerda se não se fala em projeto de esquerda?
Os partidos de esquerda há muito abandonaram as críticas ao sistema em seus discursos eleitorais. Em eleições municipais, por exemplo, poucos falam em combater a especulação imobiliária. Em criar formas alternativas de transporte público que beneficiem os usuários e não um punhado de empresas privadas. As pautas são extensas, mas poucos se propõe a assumi-las. Os que assumem, por sua vez, são representantes de partidos pequenos (PSTU, PCO, PCB, UP) que passam mais a imagem de "exóticos" para o grande público, do que dispostos a colocar em prática seus projetos (e poucos realmente sabem como realizar as utopias socialistas de seus programas).
A esquerda atual virou a zeladora do projeto capitalista que deveria combater!
Eis aí um problema que traz outros. Sem uma alternativa clara, sem uma inserção social efetiva, ficamos reféns do que está posto. A população não se empolga mais com a esquerda, pois nós não apresentamos projetos reformistas radicais. Sendo assim, as direitas aparecem com o discurso antissistema, criam conteúdos para redes sociais (que, claro, está nas mãos dos que não querem mudança alguma) e investe no "mito do empreendedor" que não precisa de Estado, não precisa de nada público, para prosperar na vida. Domesticaram ainda mais os pobres e parte da classe média, que idolatram milionários, enquanto seus direitos sociais viram pó.
Diante de tudo isso, o resultado das eleições: votos brancos, nulos e abstenções somam mais do que os votos dos eleitos! Vejamos o exemplo de São Paulo, maior cidade do país. O candidato vencedor, Ricardo Nunes (MDB) recebeu cerca de 3,3 milhões de votos. Os votos brancos, nulos e abstenções somam 3,6 milhões!¹
Em Porto Alegre, os votos brancos, nulos e abstenções chegam a 39,7%, maior que os 37% dos votos do candidato vencedor, Sebastião Melo (MDB).²
Esse esvaziamento da política é notado também nos debates eleitorais na televisão. Apesar do modelo duvidoso de debate das emissoras, pouco se detém em projetos detalhados de como realizar as políticas. O foco é sempre a tentativa de desqualificar o opositor - temas como corrupção, desvios etc ganham mais destaque. Por exemplo, um tema muito importante num debate para prefeitura é a de vagas em creches. Os candidatos dizem que vão zerar as filas pelas vagas, mas não explicam exatamente como: contratar mais conveniadas? Construir creches públicas? Contratar profissionais através de concursos?
Desta forma, os eleitores podem até pensar "melhor deixar como está, afinal não tem proposta melhor". Ou então podem muito bem votar nos candidatos que compõem sua rede social real mais próxima: o síndico do seu prédio, o pastor de sua igreja, o faz tudo do seu bairro etc. Se essas pessoas estão ou não comprometidas com um projeto maior, pouco importa.
Também é preciso considerar que as pessoas estão tão ocupadas com seu trabalho precarizado, família, amigos que procuram não se envolver tanto em política. Ou se envolvem apenas quando convém, por algum interesse mais pessoal.
A falta de uma identidade coletiva relacionadas à classe social também é um determinante para esse esvaziamento: quais políticas públicas são necessárias para meu "grupo" viver bem? Moradias? Escolas? Creches? Bons salários? Quais esquerdas estão dispostas a lutar por essas pautas coletivas e classistas e não apenas pautas pequenas de "nicho". É justamente essa perda de identidade com um coletivo maior que explica porque aqueles que privatizam tudo e ferram os mais pobres ainda continuam eleitos (afinal, de que modo explicar o paradoxo: se os pobres são a maioria, como os ricos seguem sendo eleitos?).
E qual a saída para tudo isso?
Como militante partidário, creio que a solução passa obrigatoriamente pelos partidos. Os partidos de esquerda precisam encontrar formas de envolver a população. Precisam criar movimentos que representem os anseios da população de um bairro, de uma cidade, da zona rural. Mudar a estrutura partidária também é importante. As pessoas só vão se envolver se tiverem a certeza que suas demandas serão ouvidas, discutidas e colocadas em prática. Os militantes e filiados precisam ter acesso às decisões partidárias.
Ocupar todos espaços possíveis é importante. Não é uma tarefa fácil, mas é preciso fazê-la. Muitos analistas e militantes sabem disso e já escreveram sobre.
Não basta apenas analisar a política e a sociedade, precisamos transformá-las!
* Historiador. Professor de escola pública. Trabalhismo 21 - Canoas.
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