APONTAMENTOS SOBRE A MANIFESTAÇÃO DE 29 DE MAIO EM PORTO ALEGRE

Fábio Melo*

Rafael Freitas**

Texto publicado originalmente no blog do GEACB: http://geaciprianobarata.blogspot.com/2021/05/apontamentos-sobre-manifestacao-de-29.html


O Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata sempre que é possível está presente em atos e demais mobilizações. Na manifestação do dia 29 de maio, não foi diferente. Em Porto Alegre, milhares de manifestantes tomaram as ruas do centro da cidade, exigindo o impeachment de Jair Bolsonaro, vacina para a população, auxílio digno de no mínimo 600 reais.

Porém, alguns apontamentos precisam ser feitos. Primeiramente, faltou dar mais destaque para as pautas econômicas ou de luta contra o governo como um todo. Vimos apenas uma faixa mencionando a PEC 32, ou “reforma administrativa”, que prevê o fim dos serviços públicos gratuitos oferecidos à população. Essa "reforma" é na verdade um desmonte e irá atingir a toda a classe trabalhadora. Vimos outra faixa citando os "cortes, reformas e privatizações", mas de modo muito genérico. E não verificamos muitas faixas ou cartazes defendendo a construção de uma grande greve geral no Brasil de vários dias de duração para derrubar o governo Bolsonaro/Mourão.

Pensamos que grandes protestos de massa, como esses do dia 29 de maio, não podem deixar de lado a pauta econômica, correndo o risco da multidão ser apenas uma “massa manobrável” que não perceberá que tanto Jair Bolsonaro como João Dória, Eduardo Leite ou Luciano Huck defendem a mesma agenda econômica neoliberal.

A luta contra o governo precisa ser clara. O Impeachment não pode servir para tirar um neoliberal e colocar outro em seu lugar.

Em 2013 já tivemos a experiência concreta deste perigo. Naquela ocasião, milhares saíram às ruas contra a corrupção, contra o mau governo, contra os gastos com a copa do mundo ao invés de investimentos na educação e saúde pública. O “fora PT” acabou absorvendo parte da população mais jovem, que estava experimentando pela primeira vez manifestações daquele porte. Parte da esquerda acabou jogada para escanteio, e o resultado foi que 2013 deu força para think tanks neoliberais (como o MBL) e pavimentando o caminho da direita conservadora obscurantista; que elegeu uma forte base nos legislativos, em 2014. De 2014 para cá, já sabemos o roteiro: golpe na presidenta Dilma, destruição da CLT, eleição do presidente genocida Bolsonaro e demolição da previdência pública em 2019.

Esse é o erro de não levar em conta a agenda econômica neoliberal, e de despolitizar grandes manifestações que tenham a tendência a aumentar em número de pessoas e de realizações. Se essa pauta contra o neoliberalismo fosse levada em conta em 2013, e os movimentos populares progressistas e revolucionários continuassem hegemônicos nas manifestações (poderiam ter até o apoio dos partidos de esquerda nos parlamentos, mas isso ocorreu esporadicamente, afinal, era um partido de “esquerda” que estava no poder naquela época: o PT), talvez a presidenta Dilma não tentasse resolver a crise econômica se abraçando ao próprio neoliberalismo de Joaquim Levy que é da mesma escola econômica de Paulo Guedes.

O mesmo vale para as manifestações do dia 29 de maio de 2021 e para as próximas que venham a ser organizadas com a segurança sanitária possível: NÃO SE PODE ABRIR MÃO DA QUESTÃO ECONÔMICA E DO ENFRENTAMENTO AO GOVERNO FEDERAL INTEIRO! Caso contrário, corremos o risco da história se repetir como farsa – tirarmos Bolsonaro para que? Para colocar em seu lugar Luciano Huck, João Dória ou até mesmo o Lula amigo dos bancos?

As recentes manifestações na Colômbia e, principalmente, no Chile estão dando aulas para nós brasileiros. No caso específico do Chile, que vem sofrendo com o neoliberalismo desde a ditadura de Pinochet, nos anos 1970-1980, o processo se ampliou: das ruas tomaram os parlamentos e dai para a mudança constitucional. Mas a pauta principal sempre foi muito clara para os chilenos: repúdio total as políticas neoliberais que afetam a economia, a vida e a sociedade daquele país. O Brasil precisa olhar mais para a América do Sul e esquecer um pouco as pautas liberais importadas dos Estados Unidos.

Sair às ruas e gritar “Fora Bolsonaro” sem também gritar “Fora Neoliberalismo” é vazio e perigoso. Não podemos cair em mais um erro, no lugar de aprender com eles!


* Historiador. Membro do Núcleo Trabalhismo 21 de Porto Alegre

** Historiador. Membro permanente do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB).




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